Até quando me deixam mamar?, por Dra. Graça Gonçalves



Dra. Graça Gonçalves
Médica Pediatra (Neonatologista) e Consultora Internacional de Lactação (IBCLC) pelo International Board of Consultant Examiners e Conselheira em Aleitamento Materno pela OMS / UNICEF.
Fundadora da Clínica Amamentos, em Lisboa, a primeira clínica em Portugal especializada em aleitamento materno.


Até quando me deixam mamar?


Se existem temas na amamentação que geram controvérsia, este será sem dúvida um dos mais polémicos: até que idade, devem ser amamentados os bebés?

Denomina-se “amamentação prolongada” quando permanece para além do ano de idade.

A OMS e a UNICEF afirmam que a amamentação deve manter-se pelo menos até aos 2 anos e a partir daí até que mãe e filho o desejem. A Academia Americana de Pediatria (AAP) também declara que não existe limite superior para a duração da amamentação, nem evidência de quaisquer malefícios psicológicos ou de desenvolvimento, com a sua continuidade até aos 3 anos ou mais.

Apesar disso, numerosos profissionais de saúde (pediatras, médicos de família, etc.) discordam destas afirmações, baseando as suas opiniões meramente em expectativas culturais. Será que é isto que se espera de um médico?

Só a título de exemplo, refiro um telefonema que recebi há poucos dias de uma mãe que procurava eco para a sua justa indignação. Tinha recorrido ao serviço de urgência por uma dor de cabeça muito forte, e ao informar a médica que a atendeu que amamentava o filho de 19 meses, foi insultada e “mandada parar de dar essa porcaria à criança que já não é nenhum bebé”.

Alguns psicólogos vão mais longe e preocupam-se com possíveis “alterações psicológicas” que estas crianças possam vir a sofrer. Para não falar da suposta relação de dependência que implica a amamentação, quando está mais do que provado que são as crianças cujas necessidades de afeto foram atendidas nos primeiros anos de vida que se tornaram adultos autossuficientes e física e emocionalmente mais saudáveis.

Também a sociedade estigmatiza as mulheres que amamentam após o ano de idade, fazendo-o tanto mais veementemente, quanto mais crescida for a criança.

Se a sociedade ocidental não tivesse sexualizado as mamas das mulheres talvez lhe parecesse mais normal a continuação durante mais anos do seu uso para a amamentação dos filhos.

Claro que as consequências são muito mais graves quando essa estigmatização vem de um profissional de saúde, colocando em risco a continuação da amamentação ou, no polo oposto, a relação de confiança médico/paciente.


Como seriam os padrões de desmame se não fossem alterados pelas crenças da sociedade?

O que nos diz a investigação?


   1) Estudos feitos para bancos de leite humano

Com a finalidade de obter maior volume de leite para os bancos têm sido feitos estudos sobre a composição do leite materno após um ano de amamentação. Verificou-se que o leite se ajusta às necessidades da criança em crescimento, para que, apesar do volume ser menor, permaneça assegurada a quantidade de nutrientes e a proteção imunológica não seja comprometida.

Cai assim por terra o argumento de que nutricionalmente não tem valor, permanecendo ainda o benefício acrescido da defesa do organismo imaturo da criança.


   2) Estudos antropológicos em outros primatas

Os estudos antropológicos mostram que muitos primatas (e nós somos primatas) desmamam os filhos aquando do aparecimento dos primeiros dentes da dentição definitiva. As nossas crianças atingem a maturidade imunológica, ou seja o ponto em que as suas defesas igualam as do adulto, apenas por volta dos 6 anos de idade que é também a data de aparecimento dos primeiros molares definitivos. Será isto uma interessante coincidência, ou uma necessidade de manter as defesas asseguradas pelo leite materno enquanto a criança acaba de montar a sua imunidade?

O leite artificial e o sono solitário dos bebés são algumas das práticas culturais que nos afastam da nossa herança primata, desenhada ao longo de milhares de anos para se adequar às necessidades específicas das crianças humanas.


   3) Estudos antropológicos efetuados em diferentes civilizações

Foram encontradas idades de desmame em diferentes civilizações entre os 3 e os 5 anos de idade.

A necessidade de sucção não nutritiva visível desde os primeiros tempos de vida, permanece em algumas crianças durante anos e quando não é dada pela amamentação, leva ao uso de chupetas, biberões ou dedos que provocam problemas de oclusão dentária. A amamentação, mesmo prolongada, propicia uma oclusão adequada. E mesmo quando existe amamentação noturna não está relacionada com a existência de cáries precoces.

Para o bebé humano a amamentação também é conforto e suporte emocional. “ É uma dança intrincada durante a qual o bem-estar físico, emocional e cognitivo é sustentado e através do qual floresce”.

A meio do primeiro ano de vida os bebés começam a mostrar interesse por outros alimentos. E isso é importante nutricional e culturalmente. É o início do desmame, mas o tempo que cada um deles vai demorar até ao desmame completo varia de criança para criança, deve ser considerado uma etapa do crescimento e um sinal de que a criança está pronta para se afastar da mãe e alargar o seu mundo.



Seja qual for a data do desmame para cada par mãe-filho nunca é de mais enfatizar que deve ser feito de uma forma gradual e com amor, para o bem de ambos.





Referências Bibliográficas

Breastfeeding
An overview of oral and general health benefits
Lindsey Rennick Salone, DDS; William F. Vann Jr., DMD, PhD; Deborah L. Dee, PhD, MPH
http://jada.ada.org/article/S0002-8177(14)60615-2/pdf

BREASTFEEDING MEDICINE
Volume 7, Number 3, 2012
ª Mary Ann Liebert, Inc.
DOI: 10.1089/bfm.2011.0027

Exploring and Influencing the Knowledge and Attitudes of Health Professionals Towards Extended Breastfeeding
Lauren Cockerham-Colas, Laura Geer, Karen Benker, and Michael A. Joseph
Abstract
http://online.liebertpub.com/doi/pdf/10.1089/bfm.2011.0027

Weaning as a Natural Process
Brylin Highton
Dunedin, New Zealand
From: LEAVEN, Vol. 36 No. 6, December 2000-January 2001, p. 112-114
http://www.llli.org/llleaderweb/lv/lvdec00jan01p112.html

A Time to Wean
Katherine A. Dettwyler, PhD Department of Anthropology Texas A & M University College Station Texas 
from Breastfeeding Abstracts, August 1994, Volume 14, Number 1, pp. 3-4.
http://www.llli.org/ba/aug94.html

Breastfeeding answers made simple. 
Nancy Mohrbacher, IBCLC, 2010












#AmamentarEnquantoOsDoisQuiserem

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Comentários

Ana Rute Calaim disse…
Também gostei do artigo e identifico-me em muitas coisas. Mas faço uma ressalva. Se o leite se vai adaptando às necessidades do bebé, então não me parece que faça sentido haver mães que quando têm novos bebés continuam a amamentar o mais velho. Como por norma na sociedade antiga ninguém tinha só um filho e eram todos seguidos, então questiono o quão tarde as mães continuavam a dar de mamar aos seus filhotes.
Carina Pereira disse…
Olá Ana Rute!

Obrigada pelo seu comentário :)

Não sendo eu perita no assunto, julgo que a amamentação em tandem (dois Filhos de idades diferentes, em simultâneo) seria prática comum antigamente.



O nosso corpo é maravilhoso e adapta-se às necessidades dos nossos Filhos. Tanto em termos de quantidade como em relação às características do leite, o que sei é que, por exemplo, mesmo amamentando uma criança maior, na altura de nascer o mais pequeno, o colostro regressa, dando ao bebé tudo o que ele necessita.



Encontrei este artigo, sucinto, e muito interessante, que pode ajudá-la a responder às suas dúvidas: http://www.llli.org/faq/tandem.html
Stephanie Matos. disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Carina Pereira disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Stephanie Matos. disse…
Que deliciosa surpresa descobrir este blog. Um blog que trata de necessidades reais da vida materna. Fiquei fã! Parabéns a quem o escreve!
Carina Pereira disse…
Muito obrigada pelo seu feedback 😍
Espero continuar a "vê-la" por aqui!
Carla disse…
óptimo post Carina! Aliás, aproveito para parabenizá-la pelo blog. Revejo-me imenso no que escreve.
Carina Pereira disse…
Obrigada Carla!
É sempre muito bom receber esse tipo de feedback :)
Luísa de Castro disse…
Ola! Gostei muito do texto e 5inha intenção de amamentar até bem tarde, mas engravidei pelo caminho e tive uma vontade incontrolável de desmamar. Não aguento dar de mamar durante mais de 5 segundos, as vezes 10 ou 30, mas nunca mais. Ele já percebeu e começa a não pedir maminha, algumas vezes chorou e eu chorei também, mas não aguentava dar de mamar, e agora já não chora. Embora um pouco forçado, foi o mais gradual e com amor possível que consegui. No entanto ele tem apenas 18 meses, e pergunto-me se precisarei de complementar com algo artificial, uma vez que acredito que biológicamente ainda era suposto ele mamar. Ele aparentemente não tem nenhuma necessidade de sucção, não chucha no dedo, nem em nenhuma outra coisa a não ser no biberão para beber água, tentei dar bebidas como chá de maçã, aveia diluída e outras bebidas quentinhas num biberão para ver se ele gosta, mas talvez não deva introduzir esse hábito uma vez que ele já se mostra afaptado, ou sim? Por um lado o desmame foi a melhor coisa que podia ter acontecido, porque me sinto bem melhor na gravidez, e ele passou a ser muito mais carinhoso e ao mesmo tempo independente. Adormece enroscadinho comigo, antes só queria mama e depois virava-se para o lado, agora gosta de estar pertinho, adormecer abraçado, dá-me muitos beijinhos e abraços :)
Acho interessante varios aspectos no meu caso, por um lado penso que biológicamente nao era suposto ter engravidado tão cedo, as minhas hormonas diziam para não ter relações sexuais, a minha líbido era zero, mas fazia um esforço por começar algo com o meu companheiro que até tentava compreender e ficar quase um mês sem relações, e depois de ultrapassar o primeiro instinto de repulsa de acto sexual, até relaxava e disfrutava do momento a dois. Por outro lado as vezes penso que o nosso desmame também foi natural, não de iniciativa do bebé, mas por iniciativa minha, que senti mesmo um instinto interior muito muito forte que fez com que tivesse uma repulsa enorme em anamenta-lo e cada caso é necessário um caso, talvez não necessariamente por ser um desmame um pouco precoce aos 18 meses, não foi natural. Ou então foi mesmo muito precoce, e posso estar a prejudicar o meu filho :( como saber? Ele parece bem :) uma mãe disse-me "está a dar-lhe a melhor coisa da vida dele, depois do leite materno - um irmão" e realmente foi um motivo de força maior que me levou a parar de amamentar, no entanto não sei bem se ele estava preparado ou não. Mas volto a dizer, ele parece muito bem, custou um pouco algumas noites, e alguns pedidos de maminha foram recusados, mas a maior parte das vezes distrai-o com outras coisas, evitei situações em que ele pediria maminha, e quando pede ainda lhe dou, mas não aguento muito tempo e ele já nem chora depois. Ele também já não parece ter muito interesse no leite, que tem um sabor bastante alterado, fica só a fazer chuchinha, o que me provoca ainda mais repulsa pela amamentação.
Desculpe o testamento, precisava partilhar este momento que estou a viver e este texto soltou-me estes sentimentos :)
Obrigada!
Carina Pereira disse…
Olá Luísa!
Agora fiquei de coração apertado por perceber que ainda não lhe tinha respondido! Este artigo já tem tanto tempo, e, de vez em quando, volta a ser partilhado e eu perco um bocado a noção de quando existem comentários novos. Peço desculpa.

Apesar de saber que certamente a sua situação já mudou, eu gostaria de responder ao seu comentário, começando por agradecer a partilha!

Eu não sou especialista em amamentação (este artigo é da Dra. Graça Gonçalves, que convidei para o escrever para o blog). Mas, do que sei, a repulsa que fala é muito comum, quando se está grávida.

Aquilo que eu acredito é que a amamentação deve durar enquanto o bebé/criança e a Mãe quiserem (e se sentirem bem com isso). Quando a vontade de parar parte da Mãe, é importante procurar respeitar o ritmo da criança, mostrando-lhe que a ligação que os une vai muito além da amamentação. Existem especialistas em amamentação que podem ajudar neste processo (como é o caso da Dra. Graça, por exemplo).

Em relação à parte nutricional, julgo que o mais indicado será, sem dúvida, falar com o médico que acompanha a criança, que poderá, melhor que ninguém responder a estas questões.

Mas há uma coisa que eu tenho a certeza, como diz a Magda Gomes Dias no seu livro, que é a criança Feliz é aquela que tem a Mãe (e o Pai) Feliz :)

Qualquer coisa, se virem que eu não respondo aqui nos comentários, podem enviar-me um email (carina@gobabygoblog.pt) que eu terei todo o gosto em responder!